Luisa é assim…o teatro, a literatura, as propostas de Ítalo Calvino

  • Post publicado:07/12/2017

Luisa é assim

Janete Bridon

Há coisas que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar.
(Ítalo Calvino, 1990)

Luisa, desconcertante, desorientada, perturbada, fragmentada. Assim é a mulher Luisa, assim é a peça Luisa. O conjunto, com seus meios específicos, como nos diz Calvino: o texto, a performance e os objetos usados em cena dão-nos a oportunidade de fazer parte de um jogo de emoções.

O espetáculo, um solo teatral intimista, traz como protagonista a atriz Sandra Knoll da Cia Experimentus pelo projeto Intersecções. A peça, formada para um pequeno público, cuja adaptação é da própria atriz, nasceu do texto de Daniel Veronese, dramaturgo argentino. Ela traz, sob a direção de Barbara Biscaro, um cenário simples, mas envolvente, de Roberto Gorgati, responsável, também, pelo figurino da protagonista. Suas vestimentas são de uma mulher que se esqueceu de si mesma, que parou no tempo. Nesse ambiente, a protagonista, em um monólogo quase que surreal, coloca-nos em uma montanha russa de emoções.

A personagem, após uma breve interlocução com a plateia, anuncia: -Agustin voltou! A partir desse momento, a plateia passa a compartilhar com Luisa seus momentos de alegria, de prazer, de angústia, de tristeza, de nostalgia, em um vai e vem, em um sobe e desce de reações e comoções. Na peça, há uma desconstrução do tempo, no vai e vem dos relatos da protagonista, há o agora, há o antes, há o depois. Seus relatos são, assim, fragmentados, pois há sempre interrupções que nos levam a outras dimensões. De repente, sentimo-nos felizes por seus momentos de euforia, mas instantes depois nos perguntamos: “Como devo me sentir agora?”; afinal, Luisa não se encontra mais naquele estado, ela está deprimida, abatida. E assim Luisa leva-nos, para cima e para baixo, em um turbilhão de emoções que variam de momento a momento.

A protagonista narra, quase que em delírio, o retorno, após doze anos, do homem que a abandonou. Despedir-se de Luisa é a desculpa para sua volta. É por isso que a personagem mistura fatos, que nem sabemos se são reais no mundo de Luisa; memórias, quando traz à tona momentos da vida de seu pai; e imaginação, já que nem sabemos se tudo aquilo é verdade. Não sabemos se Agustin realmente passou pela vida de Luisa. No entanto, nada disso importa; o que realmente interessa são os caminhos pelos quais a protagonista nos leva. São quarenta minutos de uma experiência desconcertante de “uma trama tecida e destecida pelo tempo, pelo amor e pela espera” (LUISA O BLOG, 2011).

Nas falas da protagonista, ela revela seu amor passado, sentimo-nos tristes porque o perdeu, mas, de repente, ao anunciar sua volta, vem-nos uma nacada de esperança, mas que se esvai nos momentos a seguir. Seu amor está lá? Não! Luisa está sempre sozinha. É um monólogo. Ela nos repassa, assim, seus momentos mais íntimos. A própria protagonista embarca nessa montanha russa carregando-nos com ela, às vezes de mãos dadas, às vezes largados, já que nos sentimos culpados por quase achar engraçados momentos que não são. O que ela faz com o espectador? Joga-nos nesses trilhos de subidas e descidas, de momentos jubilosos e momentos lastimosos.

Assim, o espetáculo Luisa traz em seu encalço a leveza da qual Ítalo Calvino nos fala em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, livro no qual o autor define cinco dos seis objetivos de uma obra literária que deveriam ser preservados no milênio (leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade – o sexto, consistência, deixou de ser revelado devido à morte do autor). Luisa mostra-nos a leveza nesse pulular de emoções quando nos leva da tristeza para a alegria em curtos espaços de tempo, em segundos. Em um momento sentimos o peso de sua angústia, o qual é imediatamente aliviado ao nos fazer relatos de situações envolvendo as peripécias do pai da personagem. A leveza dá-se, também, em suas expressões faciais, que vão de um semblante lúgubre ao luminoso. Para Calvino (1998), a leveza é a contradição do bruto e do delicado. A leveza está onde se encontra semelhanças e diversidade.

As razões do abandono desse pressuposto amor de Luisa são desconhecidas por ela e pela plateia. Contudo, afinal, qual a importância dessa personagem invisível para nós, o público? Nenhuma. O que realmente importa são os sentimentos de Luisa, suas revelações. Quando adentramos a sala de espetáculo, ela já se encontra em estado de interpretação. Ela está ali, sentada, falando sobre um livro que lera – ela fala conosco, faz perguntas a nós, espectadores. Nós, constrangidos, pensamos: “Respondo, não respondo. Ela quer realmente saber o que penso?”. Sim, ela quer. Esse momento, cercado por certa alegria provocada pelo livro, é imediatamente quebrado pela frase arrebatadora: “Agustin voltou!”. Seu semblante fecha-se. Inicia-se o assunto abandono. Momento de tristeza. O espectador embarca com ela nesse novo relato. Logo em seguida, em meio à aflição de uma narrativa voltada para a amargura, tristeza, desalento, surge seu pai, não em pessoa, mas a imagem dele transmitida por meio de uma bolsa que está sempre ali. Pensamos ser apenas uma decoração do cenário, mas não é; a bolsa é uma personagem, seu pai está ali, seus objetos mais íntimos que revelam a vida que levara. Luisa abre a bolsa e nos envolve com as histórias de seu pai – mais um momento de contentamento. Logo em seguida, a volta ao assunto Agustin – retorna a tristeza, mais uma descida desta montanha russa que é a mulher Luisa. Um frio no estômago, uma sensação de que agora é momento de lamúria, de pranto. De súbito, a volta de seu pai à narrativa. Ela apresenta uma caixinha. Ela quer que o público a pegue, mas primeiro de olhos fechados, para senti-la, depois de olhos abertos ao abri-la. Uma surpresa, uma parte de seu pai. Choque do público. Todos querem ver, por isso, quando ela lhe oferecer a caixinha, aceite-a.

Assim é Luisa: uma peça moderna, fragmentada, cheia de surpresas. Ela é envolvente, e ela, realmente, envolve. Ela deixa o público desconcertado, constrangido, mas atento. Ela nos coloca no meio de seu jogo de emoções sem nos deixar sair, do início ao fim. Luisa é assim.

Referências

CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Tradução: Ivo Cardoso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

LUISA o blog. Luisa. 2011. Disponível em: http://luisa-oblog.blogspot.com/2011/01/luisa-na-argentina.html. Acesso em: 23 out. 2011.

Imagem: Disponível em: http://luisa-oblog.blogspot.com.br/2011/01/luisa-na-argentina.html. Acesso em: 17 out. 2017.
A resenha Luisa é assim faz parte do livro Formação estética e artística: saberes sensíveis, organizado por Adair de Aguiar Neitzel e Carla Carvalho.

Deixe um comentário