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Leituras 21/06/2017 0 Comentários

Interlocução entre poetas: Adélia, Drummond, Hilda

Barthes, ao escrever sobre a morte do autor, pensou no texto como uma galáxia de significantes que não permite a manifestação de uma única voz, cuja conectividade com outros textos permite-nos pensar como um texto de autoria múltipla. Ao nos debruçarmos sobre uma obra, podemos percebê-la como uma atualização de outra, que se tangencia em determinados pontos e, ao final, percebemos uma superposição de vários textos. É com esse olhar que me debrucei sobre a poesia de três grandes poetas brasileiros: Hilda Hilst, Adélia Prado e Carlos Drummond de Andrade. Há uma interlocução que esses três poetas fazem entre si. Como Adélia leu Drummond que leu Hilda que leu Adélia? Um trio de poetas brasileiro que, em meio a suas escrituras, revelam a admiração e o envolvimento entre si: Adélia que admirava Drummond que admirava Hilda que procurava respostas.

Conversas entre textos, muitas vezes, não se mantêm em uma relação implícita – elas são explicitamente reveladas. Adélia Prado mostra sua admiração por Drummond em Todos fazem um poema a Carlos Drummond de Andrade:

 

Enquanto punha o vestido azul com margaridas amarelas
e esticava os cabelos para trás, a mulher falou alto:
é isto, eu tenho inveja de Carlos Drummond de Andrade
apesar de nossas extraordinárias semelhanças.
[…]

Temos terrores noturnos, diurnos desesperos
e dias seguidos onde nada acontece.
comemos, bebemos e diante do nosso impresso
temos nenhum orgulho, porque esta lembrança não deixa:
uma vez, na Avenida Afonso Pena, um bêbado gritando:
‘Todo mundo aqui é um saco de tripas’.
Carlos é gauche. A mim, várias vezes, disseram:
‘Não sabes ler a placa? É CONTRAMÃO.
Um dia fizemos um verso tão perfeito
que as pessoas começaram a rir. No entanto persiste,
a partir de mim, a raiva insopitada
quando citam seu nome, lhe dedicam poemas.
Desta maneira prezo meu caderno de versos,
que é uma só, nem ao menos original:
[…].
Adélia Prado (2007, p. 56-57).

 

Em uma das andanças pelos versos de amor, Drummond revela sua admiração não só pela arte, mas também pela mulher Hilda:

 

Abro a “Folha da Manhã”.
Por entre espécies grãfinas,
emerge de musselinas
Hilda, estrela Aldebarã.

Tanto vestido assinado
cobre e recobre de vez
sua preclara nudez!
Me sinto mui perturbado.

Hilda girando em boates,
Hilda fazendo chacrinha,
Hilda dos outros, não minha…
(Coração que tanto bates!)

Mas chega o Natal

e chama à ordem Hilda: não vês
que nesses teus giroflês
esqueces quem tanto te ama?

Então Hilda, que é sabi(I)da,
usa sua arma secreta:
um beijo em Morse ao poeta.
Mas não me tapeias, Hilda.

Esclareçamos o assunto:
Nada de beijo postal.
No distrito Federal,
o beijo é na boca – e junto.
(DRUMMOND apud CONSOLARO, 2004)

Hilda era considerada uma mulher avançada para a época, à frente de seu tempo. Segundo Nogueira Jr. (200-), ela despertava paixão em muitos artistas e empresários. E assim Hilda despertou a admiração de Drummond. Seria o poema Dez chamamentos ao amigo uma resposta de Hilda à fala de Drummond? Ao nos aproximar da fala do poeta – Hilda girando em boates / Hilda fazendo chacrinha / Hilda dos outros, não minha – podemos perceber nos versos de Hilda uma relação intertextual.

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
[…]
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Hilda Hilst*

Barthes afirma: “O texto tem necessidade de sua sombra: essa sombra é um pouco de ideologia, um pouco de representação, um pouco do sujeito: fantasmas, bolsos, rastos, nuvens necessárias; a subversão deve produzir seu próprio claro-escuro”. (BARTHES, 1996, p. 44, grifos do autor). Os autores também necessitam dessa sombra. Percebemos que eles vão procurá-la, às vezes, nos textos, nas palavras, nas atitudes e na vida de outros e, assim, completa-se a alimentação, a antropofagia à que Oswald de Andrade refere-se.  Alimentação que pode surgir das temáticas, das palavras “roubadas”, das conversas entre os textos, das respostas aos versos dedicados, dos elogios, das cenas de ciúme, da admiração.

Independentemente da definição e das várias práticas da intertextualidade, vê-se as intenções dos autores que clamam em suas linhas a presença do outro e dão a oportunidade ao leitor de viajar entre os textos, ir de um ao outro como em uma viagem sem fim.

 

*Disponível em: <http://www.angelfire.com/ri/casadosol/pamigo.html>. Acesso em: 15 maio 2017.

 

Referências

BARTHES, Roland. Aula. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1996.

BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. Tradução J. Guinsburg.  5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

CONSOLARO, Hélio. Poema escrito para Hilda Hilst por Carlos Drummond de Andrade. 2004. Disponível em: <http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/docs/bela_fera>. Acesso em: 30 abr. 2010.

HILST, Hilda. Poemas malditos, gozosos e devotos. 2. ed. 1 reimp. São Paulo: Globo, 2005.

NOGUEIRA JR., Arnaldo. Releituras: Resumo biográfico e bibliográfico. Hilda Hilst [200-]. Disponível em: <http://www.releituras.com/hildahilst_bio.asp>. Acesso em: 15 abr. 2010.

PRADO, Adélia. Bagagem. 24. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.

Imagem: Intertextuality. Disponível em: <https://thesoleauthor.files.wordpress.com/2012/10/elements-of-intertextuality.jpeg>. Acesso em: 7 jun. 2017.
Esse texto contém excertos de um artigo meu ainda não publicado - Adélia, Hilda e Drummond: interlocuções poéticas.

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